Leo Lins pode ser o nosso Larry Flint

Há uma forma de humor cuja construção da piada pressupõe: a) um fato; b) que o fato seja público e notório; e c) que esse fato público tenha uma vítima ou grupo de vítimas. De Mr. Bean, passando por Trapalhões, Casseta e Plenata a South Park todos usaram, ou ainda usam, essa fórmula. A partir …

Há uma forma de humor cuja construção da piada pressupõe: a) um fato; b) que o fato seja público e notório; e c) que esse fato público tenha uma vítima ou grupo de vítimas.

De Mr. Bean, passando por Trapalhões, Casseta e Plenata a South Park todos usaram, ou ainda usam, essa fórmula.

A partir disso o comediante cria uma narrativa que tem por objetivo provocar risos e expor essa situação.

A análise dessa situação chave da piada confere ao comediante diversas possibilidades.

Ele pode fazê-la de modo mais ‘leve’, pode se colocar no lugar da ‘vítima’ do fato, pode se colocar na posição do ‘agressor’ e pode, até, se por na posição de um grupo social, que conhece o fato e nada faz ou o estimula.

Enfim, a depender da criatividade do artista, o fato base da piada é analisado por distintos aspectos, tendo como objetivo final provocar a graça e o riso. Se o fato não existe ou não é de conhecimento público, não há piada.

Mas o humor é subjetivo e talvez seja uma das artes mais difíceis de ser criada. Provocar o riso é muito mais difícil que provocar o choro ou o horror. Muitas vezes o que é engraçado para uma pessoa, não é para outra.

O que tem de ser entendido, no entanto, é que se uma pessoa ou grupo não acha graça no enfoque que o humorista dá para retratar um fato base, o problema é unicamente dela. E isso não torna a criação artística um fato criminoso. O músico/compositor que retrata a realidade da favela, por exemplo, pode dar o enfoque como terceiro observador, pode se colocar na posição do morador da comunidade ou até do bandido traficante que vive ali. Quando ele, em uma determinada composição, se põe na posição do traficante da comunidade, ele não se torna traficante. Não vira criminoso porque sua arte deu esse enfoque. Se você não gosta da música, não escute a música.

Da mesma forma um ator quando interpreta o papel de um estuprador, não se torna estuprador. Se a peça ou filme que ele faz é de mau gosto, não assista.

E não há problema algum nisso, porque o artista está retratando um fato, dando o enfoque que ele, artista, entende adequado para passar sua mensagem. Se a pessoa não gosta dessa criação artística, basta não consumir. E se sua criação for muito mal feita e de mau gosto, não terá público ou relevância.

A criação artística, ainda que baseada em fatos reais, é uma ficção, porque criada unicamente no campo das ideias. O artista não praticou o ato ofensivo ou criminoso, apenas o retratou. Você pode, ou não, gostar da forma pela qual o artista retratou ou abordou o fato, mas não pode, em hipótese alguma, confundi-lo como autor dos fatos criminosos.

Se a arte, eventualmente, afeta os sentimentos de alguém, mesmo que esse alguém seja uma autoridade pública, seja ela um Procurador da República ou Juiz Federal, não importa, pois estamos apenas no campo das ideias. Se a autoridade pública se sente ofendida com o fato retratado artisticamente, a obrigação da autoridade deveria ser corrigir o fato problema que deu origem à piada, ao filme ou à música de protesto, e não punir o artista que atuou como porta-voz para tornar o fato ainda mais público e demonstrar seu absurdo. Uma piada sobre racismo só existe porque existe racismo. Uma música sobre a realidade do convívio entre moradores de uma comunidade e traficantes só existe porque o tráfico tomou algumas comunidades. Um filme sobre abusos contra mulheres só tem relevância porque existem diversos casos de abusos contra mulheres. E a arte, comédia, música, filmes, está aí para expor esses fatos.

Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão por fazer piadas preconceituosos contra “diversos grupos minoritários”. Ele foi processado por uma apresentação de 2022 em que ironizou temas como abuso sexual, zoofilia, racismo, pedofilia e gordofobia.

Talvez o procurador da república e o juiz federal que o condenaram devessem combater esses fatos em vez de condenar o artista que os expõe.

Se eles querem, e acho que toda sociedade brasileira também quer, acabar com piadas envolvendo esse tipo de fato, a luta deveria ser contra o abuso sexual, zoofilia, racismo, pedofilia e os problemas que envolvem a obesidade.

A comédia sempre foi uma forma de arte anárquica e subversiva em sua essência. É da comédia dizer em meio a risos o que tememos dizer na seriedade. Vamos esquecer o Leo Lins por um momento, vamos pensar que essa condenação é um precedente. E esse caso pode moldar como encaramos a arte no Brasil. Leo Lins pode ser nosso Larry Flint.

Condenar o artista que retrata nossas mazelas não é apenas equivocado, é covardia.

Mario Ghanna Músico Procurador da República Concorrente do Grammy Latino e Prêmio da Música SC Vencedor do Academy Music Instagram: @marioghanna

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